Histórias de Moradores de Lins

Esta página em parceria com o Museu da Pessoa é dedicada a compartilhar histórias e depoimentos dos Moradores da cidade de Lins.


História do Morador:
Francisco Caramante

Local: São Paulo
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História: A militância sindical da Petrobrás

Sinopse

Francisco Caramante, nascido dia 22/10/1942, em Lins-SP, se formou em química e passou a trabalhar na Petrobrás em 1970 como operador de utilidades. Conta a história de vários movimentos grevistas ao longo de sua trajetória, a fundação do Sindicato do Petróleo de São Paulo, de sua ligação com partidos políticos da época, a repressão, da família que formou, da ascendência espanhola anti-fascista de seus pais.

História

O meu nome é Francisco de Paula Garcia Caravante, nascido em Lins, São Paulo, no dia 22 de outubro de 1942.
FAMÍLIA

O nome do meu pai é Francisco Garcia Caravante, espanhol, nascido em São Pedro de Alcântara, Málaga, em 1913. Minha mãe é Paula Francine Garcia, descendente de espanhola com italiano, portanto a minha geração já vem da raça espanhola.

Conheci todos os meus avós. Avós paternos, Francisco Garcia Morito e Maria Garcia Gabelho.

Meu pai era motorista de táxi em São Paulo, o tempo maior da vida dele em termos de trabalho, mas ele foi desde agricultor, desde quando eles eram imigrantes vieram para trabalhar na terra. Em 1911, 1913, ele veio para o Brasil, então eles vieram para o interior de São Paulo para trabalhar nas fazendas. A imigração se deve a um movimento em 1910, 11, o grande movimento na Europa. O Franco estava metendo as manguinhas lá. O povo também estava com problema muito sério de ficar lá, então teria que voltar ou sair de lá, foi quando meu avô saiu com a família dele toda, e meu pai também veio para cá. Se estabeleceram pelos lados de Olímpia, interior de São Paulo. Chegaram em Santos e daí, de trem, eles foram a Olímpia, mais ou menos por ali, por aquele lugar. Bebedouro foi onde nasceu minha mãe, inclusive colocaram Bebedouro. Os meus avós então ficaram em Olímpia. Depois o meu avô - não era um homem de ser operário, ou seja, de ser subalterno a algum serviço ou alguma coisa. Ele na Espanha era um diarista. Ele era o gato que arrumava trabalhadores para trabalhar nas terras lá em Marbeia, na Espanha. Marbeia, que é pertinho de Málaga e São Pedro de Alcântara, que é a cidade maior, e depois aqui ele começou e comprou umas terras, comprou um sítio, daí comprou outro sítio e formou uma fazenda. Então meus avós, com meu pai, já eram fazendeiros em 1940. Eles já tinham uma grande fazenda em Lins. Durante a Grande Guerra meu tio foi para Europa lutar no Monte Castelo em 1944, 45, por aí, quando eles perderam tudo em razão dessa ida do meu tio para a guerra. Meu avô perdeu tudo, e meu pai também se desiludiu e veio para São Paulo.

MIGRAÇÃO

Eu tinha um ano e meio de idade nessa época em que meu pai saiu das terras e veio para São Paulo para trabalhar aqui na fábrica.

COSTUMES

Sempre houve influência da religião em minha casa. A religião é um marco na família européia tradicional dessa época, então nós somos católicos apostólicos romanos. Isso foi passado de pai para filho, de avô para filho, de filho para mim e de mim para meus filhos também, esta vontade de participação na comunidade eclesial. Eu fui seminarista também, fui salesiano durante muitos anos e daí que eu saio e venho para a vida secular, mas no campo religioso realmente nós somos arraigados. E na questão política aí então nós já temos uma interferência, vamos dizer do meu pai passando para mim, pois em meu avô já era muito mais forte. Na época, o pai do meu pai era um anarquista muito ferrenho, e meu pai também seguia os passos do anarquismo, tanto que ele se tornava - na fábrica de Aços Paulista, por exemplo, em que ele trabalhou -, ele era uma espécie de um líder naquela época, como o líder de esquerda hoje seria. No entanto ele saiu, ficou fora, e em 1950, 51, 52, 54, quando começa a luta pelo petróleo aqui no Brasil, se não me engano, nessa época, eu era menino ainda, e eu me lembro muito bem dito o seguinte: “Fora Esso Standard Oil do Brasil.” Você pela história tem isso, em 1950 a 54, por aí, foi na época da inauguração da Petrobras. A Petrobras foi criada em 54, e eu cheguei ver meu pai pichar na rua: “Fora Esso.” A Esso era a grande matriz petrolífera no Brasil, que representava o capitalismo internacional, ou seja, capitalismo americano, nessa época ao menos julgava assim, e é nisso que minha vida vai se delineando em termos de mais de esquerda na questão política. Nunca aceitando de bom grado o que vinha.

EVENTOS HISTÓRICOS

Quando eclode a revolução, o golpe de Estado de 64, eu estava em Brasília servindo o próprio Exército brasileiro. Era cabo do Exército em Brasília. Volto de lá em novembro de 64 e já saio estudando numa escola de química em São Paulo, na avenida Celso Garcia, já fazendo panfletagem. Também nessa época eu começo a entrar na vida de trabalho, quando eu começo a trabalhar na Monark.

CASA

Eu morava na Mooca. Era um bairro tradicional de imigrantes espanhóis, portugueses, italianos, e ali eu tenho experiência - não é da favela, é do cortiço. A experiência do cortiço era maravilhosa. Para quem entendeu o cortiço, para quem entendia, você morar num cortiço era uma coisa boa, apesar das brigas, desavenças, porque espanhol brigava com a sombra e quando não tinha sombra ele formava uma para poder brigar. Mas essa história do cortiço era sensacional porque mostrava a história da comunidade, da integração, da ajuda mútua, solidariedade. Isso era uma vertente especial do cortiço, tanto é que casava uma pessoa do cortiço, essa pessoa casava, mas já tinha o quarto dela lá para trazer a esposa, para viver naquele cortiço. Esse cortiço era na Mooca, na rua Wladimir. Eu era criança nessa época, era bem criança, mas me lembro disso. Você tinha, por exemplo, o tanque comunitário. Era um tanque para todo mundo. Banheiro também era um ou dois, cortiço era assim. Os quartos eram separados. Cada um tinha seu quarto e sua cozinha. Era quarto e cozinha. Já quanto às crianças, todo mundo tomava conta de todo mundo, e o cortiço era de uma forma retangular, você teria quartos de frente e uma ruazinha no meio, mas não saía para a avenida principal. As crianças não saíam. Lá moravam meu pai, minha mãe, eu. Não era uma vila operária, era um cortiço. A gente pagava o aluguel para o amo - sei lá como chama – para o dono do cortiço. Eu era muito pequeno, mas me lembro disso aí ainda.

EDUCAÇÃO

Eu freqüentei a escola primária numa escola particular na Mooca, depois o 2º grau eu fiz - aliás de primeira a quarta série, naquele tempo era primeiro ano, segundo ano, terceiro ano, quarto ano; isso numa escola particular -, aí tinha admissão, aí eu fui para o Seminário Salesiano. Fiz a primeira, a segunda, a terceira e quarta série ginasial, depois fiz o noviciado e fui para Filosofia já como salesiano, já com batina e tal, direitinho. Isso foi em Mato Grosso, Campo Grande. Em 62 eu sai daí e voltei para São Paulo. Em 62, e fui fazer escola de química, fiz três anos de química.

Naquela época não havia nenhum engajamento político da Igreja. Os salesianos naquela época não tinham esse espírito comunitário como existe hoje. Os salesianos são muito elitizados, é uma congregação muito elitizada, e como você tem a educação como fonte principal, os salesianos são exímios educadores... É uma educação européia; vem de dom Bosco. Só que em vez - dom Bosco queria os pobres - os salesianos invertem, com a educação para os ricos, e abrem o colégio uma vez por semana, aos domingos, com o oratório festivo para os pobres poderem entrar. Uma vez por semana, e durante a semana toda os ricos é que estudam, pagam para poder estudar e têm um estudo de qualidade realmente. Mas eu nessa época não fazia parte disso. Um menino que queria estudar para ser padre, então eu já fazia parte da comunidade doutrinada, então toda doutrina era forçada... Isso era em Tupã. Eu fiz a oitava série, que seria hoje, oitava não, seria a quarta série ginasial, em Tupã - eu fiz os quatro anos lá -, Tupã, Lucélia, depois eu fui para o Mato Grosso, Campo Grande, onde eu fiz o noviciado, onde a gente é vestida com batina, aquele negócio todo. É uma coisa muito bonita, muito interessante, muito marcante. Mas eu saí antes de ser ordenado. Não cheguei a fazer os votos ordenais, fiz só o voto anual.

FAMÍLIA

A opção de ser padre é uma história interessante e até engraçada. Minha mãe que gostava que eu fosse padre e gostava que meu irmão também fosse padre, porque ela não queria ser sogra. A história é até hoje, minha mãe não admite ser sogra, nem avó. Até hoje ela não admite, meus filhos não chamam minha mãe de avó, eles chamam de Paula. Porque ela não admite, é uma espanhola daquelas que têm pelo na perna, é brava ainda, então foi esse motivo que foi levando a gente até menino, foi em 54, foi em 1954 que eu entrei para o seminário, já interno, em Tupã.

COSTUMES

As tradições e a cultura espanhola estão presentes em todos os momentos da minha vida, tanto é que na primeira oportunidade que eu tive eu fui para a Espanha. Também levei minha esposa, ficamos vários dias na Espanha para conhecer realmente a fundo a minha origem. Fui aonde nasceu meu pai. A culinária espanhola, por exemplo, me interessa muito. Eu gosto muito da culinária espanhola, das músicas espanholas, principalmente as de Sevilha, aquelas músicas - flamenco. Que a minha origem é daqui, flamenco. Musicalmente é flamenca a minha origem.

O que foi transmitido da cultura espanhola pelo meu pai e pela minha mãe, como valor, foi primeiro a gana. A gana de viver, a gana de trabalhar. Eles têm uma gana muito forte de trabalho. Na comida praticamente foi adaptada. O povo veio e adaptou-se à comida brasileira. Quando se pode ainda se faz, usa-se o tempero espanhol ainda, a questão do alho. O alho é uma coisa importante para nós e vem de lá. Não há espanhol que não goste de alho. Meus pais se adaptaram muito bem ao Brasil.

EDUCAÇÃO

Em 62 eu vou para a escola de química, Instituto de Química Lavoisier, na avenida Celso Garcia, aí eu faço os três anos de química. Não fiz o quarto ano porque aí eu já fui para a faculdade direto. O quarto ano seria o estágio, então eu não sou químico perante a lei brasileira. Eu terminei o estudo de química, mas não sou químico.

Interrompi a coisa de ser padre para estudar química por uma questão de não-subserviência. Eu não gostava de ser subserviente. Não gosto, eu não gosto e abomino toda interferência na vontade. Não admito. Nunca admiti, e o Salesiano tinha isso. Tinha que fazer um voto de obediência e não podia contestar, e eu contestava. Aí houve o impasse. Todas as vezes que eu contestei, todas elas foram marcadas, então eu não saí do colégio, saíram comigo. Eu fui convidado a me retirar a bem da comunidade porque eu era um contestador. Eu achava que não podia abrir a escola só uma vez por semana para as crianças pobres, eu queria todos os dias. Eu não queria abrir a escola e jogar um monte de tempo sentado na igreja lá rezando feito doido, não. Eu queria já dar comida para aquelas crianças e jogar bola, passar o dia mesmo com eles. Então eu contestava isso. Eu contestava o trabalho, não de trabalhar, mas o modo de trabalhar. O padre mandava que eu varresse daqui para lá. Eu teria que varrer daqui para lá, mas o vento estava de lá para cá, e não havia... Eu ia de lá para cá e não podia fazer isso. Isso era o teste da obediência, e como outros testes, então sempre eu contestei e discuti muito e fomos discutindo, até que houve um momento em que, naquela época - volto a frisar, os salesianos daquela época não são os mesmo salesianos de hoje, mas são os mais ricos, ainda têm uma potência muito grande em termos de salário e dinheiro. As igrejas deles são monumentais, são boas igrejas, e isso aí me levou a contestar. Eu contestava sempre e não poderia contestar. Então, para que não ficasse pior, vamos nos retirar.

MIGRAÇÃO

Eu tive que me retirar e voltei para São Paulo. Mas aí não tinha nada, eu voltei para o mundo leigo. Eu era um moço. Em 1962 eu tinha 20 anos, eu era um moço que andava na rua de cabeça baixa, olhava para uma mulher, abaixava os olhos, porque estava aquilo desde 54 até 62 com aquela doutrina. Então imagina como seria? Então não via nada na minha frente em termos de panorama. Nada. Eu saí do seminário, e agora? Entrei nesse mundão de Deus, não via mais nada. E daí que eu fui procurando, apalpando, achando até me encontrar realmente e fui trabalhando, me casei em 67, eu me caso.

TRABALHO

Não entrei na universidade de cara, aí fui tentar fazer alguma coisa, tentar. Eu saio de lá e não sei mais o que fazer? Então foi a grande mão forte do meu pai e a da minha mãe que me ampararam e que me sustentaram. Eu começo então, eu vou para o Exército em 1963. Eu trabalho na Villares em 62, eu começo trabalhar na fábrica e, por um concurso, um concurso ou uma indicação, alguma coisa assim, eu sou requisitado pelo Exército, porque o seminarista tem que servir o Exército quando sai. E eu fui para Brasília servir o Exército. Também não tinha nada pela frente. Nesse tempo eu já namorava - em 62, 63, comecei a namorar, entender o que era a vida.

Eu me lembro direitinho da experiência de trabalhar numa fábrica como a siderúrgica, a Villares, eu me lembro, mas eu dei tanta sorte que o chefe, o senhor Gomez, ele era espanhol. Chefe do setor de suprimentos, que era o cardex na época, ele era espanhol...

Eu era controlador de estoque, fichário. Esse fichário chamava-se cardex - acho que era uma empresa de fichários -, e o estoque era controlado por fichas, e essas fichas, colocavam em gavetas. Cinqüenta fichas em cada gaveta, e cada módulo tinha dez gavetas, então eram muitas. Seria o computador de hoje, só que você não teria tudo aquilo, e era rodado por fichas. Eu me dei muito bem, porque no seminário você aprende a ser metódico, a ser rápido, metódico, organizado e aprende logo a discenir logo o que é importante e o que não é, e isso me levava a fazer tal coisa. Então era num instante a rapidez. A concentração que você consegue no seminário, você consegue uma concentração violenta a fazer aquilo e aquilo, você vai fazer aquilo. Saiu daquilo, vai fazer outra coisa, mas sempre organizado, então isso me levou, me deu um grande caminho na Villares. Eu fui subindo na Villares até que fui para o Exército, aí parou tudo.

EVENTOS HISTÓRICOS

Não, em 62 o movimento sindical muito fraco. Não existia, era muito pouca coisa ainda, porque houve, quer dizer, já existia. Perdão, eu que estou comparando com outra idéia. Já havia um grande movimento sindical, porque entra João Goulart, essa turma toda aí, já começam os trabalhadores. Sai da era Vargas, porque os trabalhadores ganham do Vargas um suporte entre aspas, e com o Jango nós já começamos a botar as manguinhas de fora, começamos a brigar. Em 62 nós tínhamos um movimento forte já de sindicato, principalmente na área metalúrgica, e aqui no Rio de Janeiro também havia um movimento muito forte. Eu fiz parte de uma reunião no sindicato dos metalúrgicos, São Caetano do Sul, e saiu tanta porrada naquele dia que eu disse: “Não volto mais para cá.” É muita briga, muita discussão, e pauleira mesmo, naquele dia saiu muita briga.

Não consigo lembrar qual era a grande questão do movimento sindical. A luta pelas oito horas que eu me lembro, a gente foi devagar, não foi de impacto assim. A gente queria melhores salários. Melhor salário sempre foi. Talvez a luta pelas oito horas, mas eu não me lembro realmente, tanto é que eu não era engajado no sindicato ainda, e era um espaço muito pequeno.

EDUCAÇÃO

De 62 a 63 eu vou para o Exército, então eu saio fora dessa questão. No Exército você esquece tudo que você aprendeu. Acabou. O Exército acaba com o homem, não tem jeito. Eu fui para o Exército porque era obrigado. Nós éramos obrigados. Todo mundo era obrigado, então eu não fui para o excesso de contingente, eu fui requisitado e fui para lá. Fui para Brasília, e só fui para lá porque tinha um histórico escolar bom. Então fui para Brasília, fui ser soldado; três meses depois eu já era cabo. Veja bem, eu não queria ficar naquilo, eu queria ficar subindo sempre. Isso em 63; em 64 teve o golpe de Estado e eu estava lá, dia 1º de abril eu estava, aí em novembro de 64 ou julho de 64, alguma coisa assim... Fiquei 11 meses, 11 meses e alguns dias, aí eu saí, dei baixa, era opção mesmo sair e vir para São Paulo. E já em 64 que eu entro nessa escola de química. Aí eu vou fazendo química e já panfletando na avenida Celso Garcia - já entrava no movimento estudantil, vamos dizer assim, sem uma orientação. Não tínhamos, nessa época era uma escola de segundo grau, não era uma universidade ainda. A gente não tinha por onde se nortear, mas a ditadura estava ali, nós já estávamos lutando contra. Foi meu primeiro embate de estudante, foi no Lavoisier, mimeografado na Monark, que eu aproveitei aquelas...

TRABALHO

Trabalhei numa fábrica de bicicletas lá em Santo Amaro, no escritório. É interessante - foi no escritório de vendas, mas voltado para assistência técnica, o atendimento ao consumidor hoje, então seria isto, chamava-se assistência técnica. Então a fábrica tinha o seu dia-a-dia, e eu era o intermediário entre a assistência técnica e a fábrica, para buscar material para os operários da assistência técnica consertarem as bicicletas, então eu fazia o intermediário para estoque, para esses negócios. Era o que eu fazia, isso, no escritório de vendas. Na Caloi a mesma coisa, logo em seguida eu fui para a Caloi, em vendas.

MILITÂNCIA

Meu engajamento político começou já na Petrobras, não foi antes não. Antes foi, vamos dizer assim - não é porra-louquice - vamos dizer assim, voluntarismo. Era um voluntarismo que não tinha uma orientação, não levou a nada o pré-Petrobras. Na Petrobras, sim, aí nós vamos entrar num campo maravilhoso de discussão, primeiro pela Petrobras, depois pela organização dos trabalhadores...

INGRESSO NA PETROBRAS

Também foi interessante, em 1970 uma senhora chamada Julia, baiana, ela morava na mesma rua que minha mãe, e eu morava paralelo a esta rua e já era casado, já tinha um filho, e essa senhora me disse o seguinte: “Ô, Zão” - meu apelido era Zão, “Eu vou levar você para a Bahia, vou pegar os pais de santo lá, e o superintendente da Refinaria Landulfo Alves - que era em Mataripe - ele é meu amigo, e você vai entrar na Petrobras.” Em 1970, tipo novembro, dezembro, por aí, saiu meu pai, eu e meu irmão e fomos a Campinas num rio para a gente pescar e passamos na refinaria que estava em construção. Achamos um rio, que antes tinha, um rio em Atibaia, voltamos para cidade de Paulínia e conversamos com um padre lá para ver se tinha um lugar para a gente pescar. Conseguimos as varinhas e tudo e fomos embora, aí passamos pela refinaria e aí vimos lá que tinha o concurso. Voltamos a Campinas meu irmão, eu, e nos inscrevemos rapidamente. Fizemos o concurso depois, voltamos para São Paulo e tal e continuamos nossa vida, daí saiu o edital no jornal para fazer o concurso na rua Rosa de Gusmões, em Campinas. Nós fizemos a inscrição lá e fizemos o concurso na PUC de Campinas, o primeiro exame. Passamos meu irmão e eu...

Era um exame de nível alto, era um exame universitário, como se fosse um vestibular hoje.

O exame era para entrar na empresa como operador ou no laboratório de química, essa era a minha opção. Não precisava ser técnico em química, mas como eu tinha o curso de química, eu entrei nessa opção, e meu irmão também entrou, para a operação. Nós fomos muito bem classificados no primeiro concurso. Aí voltamos para São Paulo; esperamos sair o resultado. Saiu o resultado de Cubatão um dia antes, e o nosso nome não estava, e nós não vimos que era Cubatão e ficamos desesperados. No outro dia saiu o de Paulínia e nós passamos, aí marcou a data do psicotécnico. Fiz o psicotécnico, era um exame também feito na PUC, terrível, quatro horas de exame, terrível. Passamos bem também. Aí exames médicos. Você vai ver nesse livrinho, “A Petrobras e Você”, na apresentação diz o seguinte, se não me engano: “Você entrou numa empresa assim, assim feito um concurso psicotécnico, você foi avaliado...” Está no livrinho que inclusive a nossa vida foi analisada, nós fomos investigados nessa época, e eles colocam no livro isso.

RECURSOS HUMANOS

A Petrobras naquela época - em 1970, 71, 69, 70 - era o grande boom em termos de emprego no Brasil, então existia nesta época para quem entrasse na Petrobras ser tido como um ser superior em termos de trabalho, salário bom, regalias. Você tinha regalias mesmo. Você dizia que era da Petrobras, as portas faziam assim, em bancos, crediário tudo. Você dizia: “Sou petroleiro.” Abriam-se as portas, realmente era isso. Em 1971, quando eu entrei na Petrobras eu passei a entender o que era isso realmente. Arrumar uma casa para morar em Campinas, por exemplo - eu morei de aluguel, a Petrobras deu a carta de fiança, e a imobiliária pegava aquela carta com as duas mãos, porque era cumprido. Nós tínhamos uma assistência médica já incipiente, mas muito importante; a Petrobras tinha, depois que veio assistência médica suplementar, que é espetacular, da Petrobras, que é espetacular. A Petros, a garantia da Petros talvez fosse a melhor coisa da Petrobras naquela época. Quando a gente entra na Petrobras e começa a trabalhar, vamos entrar na discussão mesmo agora, a gente entra na Petrobras, começa a trabalhar e eu venho para o Rio de Janeiro, faço dois meses de estágio aqui na Reduc, volto e começo a ver como é que o operário daqui trabalha, a grande diferença do operário do Rio e o operário de São Paulo. O carioca é espetacular, ele trabalha de uma forma, sorrindo, e o paulista trabalha de uma forma sisuda. A diferença é que os dois fazem a mesma coisa, só que um sorrindo e o outro parece ter mais responsabilidade, no entanto é a mesma responsabilidade. Então a gente aprende com o carioca a trabalhar com gosto e com o paulista, que somos nós, a trabalhar com responsabilidade, firme. Os dois têm a mesma responsabilidade, só que o carioca leva mais sorrindo, e o paulista leva mais sisudo.

INGRESSO NA PETROBRAS

Eu entro para trabalhar como operador 1 de utilidade, fazendo turno de revezamento. Eram três dias das 16 horas às 24 horas, folgava. Aí eram quatro dias da 0 hora às 6 da manhã, folgava. Folgava um dia, depois eram sete dias das 8 às 16, aí tinha as folgas. Eles davam 29 dias de trabalho.

Meu trabalho era operador de utilidades - ele faz a captação da água do rio, água suja, aí ele lava essa água, deixa a água potável e água industrial. Essa água industrial vai para a caldeira, onde produz o vapor; o vapor vai gerar uma turbina, e essa turbina vai gerar um gerador e produz eletricidade - a eletricidade mantém toda a parte elétrica da refinaria. O vapor mantém toda a parte de aquecimento do petróleo, que aí já são outras unidades de processamento. Então a parte principal da refinaria inicial seria Utilidades. Ela sai primeiro, é a primeira a partir e a última a parar.

Era a primeira vez que eu estava entrando numa refinaria. O impacto era grandioso, a gente tinha medo, porque primeiro os mais velhos, é normal isso, os que trabalhavam havia mais tempo, eles têm o prazer de dizer para você: “Olha, isso é perigoso, tem que tomar cuidado.” Mas no sentido de fortalecer para que a gente possa exercer bem a função. Então a gente entrava com medo, mas depois a gente via que a coisa era tranqüila desde que você mantivesse as condições normais de trabalho - é normal. Praticamente não se trabalha, quem trabalha é a máquina, e a gente costuma dizer: “Olha, é bom não trabalhar, porque se a gente tiver que trabalhar, a Petrobras está perdendo.” Se a gente tivesse que fazer um esforço físico, a Petrobras estava perdendo - por quê? Porque, parou uma máquina você tinha que correr para pôr outra máquina, então era bom não trabalhar, só tirava leitura.
CULTURA PETROBRAS

Nosso espírito em relação à empresa já era assim: “A Petrobras não pode perder.” A gente já tinha um, não era slogan, uma mentalidade assim: “Se a gente trabalhar, a Petrobras perde.” É a mesma coisa quando via aquela tocha de flare: está alto, a Petrobras está perdendo, a gente não queria. A Petrobras não pode perder. A gente queria que a Petrobras fosse sempre grande como ela é e até maior teria que ser, aí já é a atividade política.

O começo é esse, eu entrei na refinaria em 71; em 72 Cubatão estende a base, aí nós entramos com uma associação nossa. Fizemos uma associação dos operários da refinaria; em 73 fundamos o sindicato. Nós mesmos. Aí nós somos: Jacó Bittar, Caravante, Ariovaldo Moacir Neves, a turma toda. Formamos o nosso sindicato em 73; em 74 eu saio da refinaria, do trabalho, e assumo o cargo de secretário geral - aí não trabalho mais na operação. A criação de um novo sindicato naquele momento era porque a gente sentia a necessidade da organização dos operários, a gente tinha já isso aqui: “Todo mundo já tem seu sindicato e nós não temos ainda, não podemos ficar na base de outros não. A nossa base é nossa, vamos fazer a nossa base. Nós somos suficientes para manter o nosso trabalho aqui. Nós somos capazes de nos organizar aqui.” A primeira luta foi para sair da extensão de base de Cubatão. Cubatão tinha estendido a base, Cubatão foi o tentáculo, foi para lá, então nós fazíamos parte do Sindicato de Cubatão. Não era justo e não era uma briga contra o sindicato não: “Vamos fazer mais um sindicato.” Tanto é que depois sai a refinaria de São José dos Campos, e nós como sindicato fomos lá e fundamos um outro sindicato lá. Para quê? A nossa cabeça, já naquele tempo da ditadura, queria a nossa Federação dos Petroleiros, que foi proibida pelo senhor ministro Jarbas Passarinho, há muitos anos atrás, quando fizeram a primeira federação; cassou todo mundo. Não era do meu tempo, era antes da gente. Quando foi iniciada a primeira federação dos trabalhadores de petróleo, foi cassada, foi arrebentada, e nós tínhamos idéia de formar a nossa federação já nesta época, porque a gente tinha idéia de que tinha o sindicato, e com a federação nós íamos nos fortalecer ainda mais no sentido de reivindicar - e já lutando contra a ditadura, porque não era fácil. A gente via o movimento estudantil, que era um movimento maravilhoso, eu dizia naquela época: “Quem faz oposição a esse governo são os estudantes e os operários.” Isto nas assembléias ou no campus da Unicamp, da PUC nós dizíamos: “Os estudantes e os operários é que fazem realmente a contestação desse regime.” E a gente luta aqui dentro para os companheiros que estão fora. Vários companheiros nossos estão voltando.

Nós não éramos filiados a nenhum partido político, porque existia Arena e MDB, e a gente não gostava da Arena, não sei por que a gente não gostava, e gostava do MDB. Então a gente lutava já junto com o MDB, mas não no engajamento político de convencimento. Quando fundam os partidos PMDB, que era MDB e Arena, a gente já saía. O Lula compartilhou conosco também, junto com ele para eleger Fernando Henrique senador. A primeira vez era Montoro e Fernando Henrique no MDB, e nós fomos juntos para eleger o Fernando Henrique. O Fernando Henrique naquela época descansou umas duas horas na casa do Jacó Bittar, lá na Unicamp. Então já estávamos juntos aí, e tem outra questão, o Lula é do movimento sindical em 80, 79, 80 que ele começa, aí os petroleiros vão junto com o Lula no primeiro momento, segundo momento os petroleiros estão organizados, muito organizados, os petroleiros. A FUP é recente, os petroleiros começam a se organizar e são uma parada política muito forte porque eles têm o poder do petróleo na mão. Têm o poder de parar o país, simplesmente isso. Então, para derrubar alguém da ditadura, ou você ia com as armas e derrubava os caras - não conseguimos -, ou você tem um poder mais forte, que é o poder do petróleo, e nós começamos a mostrar isso em 82. Os metalúrgicos começam em 78, 79, 80, com o Lula, começam a contestar. O movimento no ABC são duas coisas no mesmo movimento: movimento operário de contestação e o movimento político de contestação ao regime, isto está bem claro para todo mundo. E o petroleiro? Ele começa o movimento político forte de já contestar e sair para a discussão e começa a organizar a categoria para mostrar forças, que não tinha mostrado forças ainda, mas de forma organizada. O Lula foi nos encontros nacionais do petróleo. Quando surgiu o PT, isso foi na Bahia - e o Lula já contou várias vezes essa história, esse momento -, quem se reuniu com o Lula lá na Bahia, no hotel - não sei se é hotel Bahia, não li a história dele ainda -, mas eu estava nesse dia lá, Jacó, ele, o pessoal do Rio Grande do Sul... E aí começa a discussão do: “Vamos fundar o PT – Partido dos Trabalhadores.” E começa a grande discussão do PT neste momento. O Lula já começa junto com os petroleiros. O PT surge junto com os petroleiros, lógico que a grande cabeça do PT é o Lula, mesmo naquela época não se discutia. Jacó Bittar também era um grande nome, tanto é que vai para o partido e vai como relações internacionais do partido, no momento de criação. O Bittar era presidente do nosso sindicato e nós éramos parceiros de enfrentamento mesmo, juntos.

RELAÇÕES DE TRABALHO

Não havia diálogo, havia reunião. A Petrobras recebia os sindicatos, nos colocava numa mesa grandiosa lá no Edise. O Edise é maravilhoso. Vocês conhecem o Edise, aqui no Rio? É muito bonito, é grandioso; mostra para a gente: “Petrobras, como tu é grande.” E a gente era bem recebida, a gente sentava e lá vinha o senhor Darcy Siqueira, coronel, o senhor presidente da Petrobras era general não sei quem, Geisel, depois veio Shigeaki Ueki, que era civil, mas era deles lá, que era ministro das Minas; nos recebiam, e discutíamos o seguinte: “Conjuntura do Brasil.” Contava a história do Brasil para a gente, e nós ali, os 13 sindicatos, ali sentados e uma pauta de 30 reivindicações e nada daquilo. Nós pedíamos 26%, a inflação era 26, e nós pedíamos mais 10, 12 de ganho de causa, de participação, mas não vinha. Não vinha nada, saíamos de lá e vínhamos para assembléia. Chegava na assembléia: “Não aceitamos.” A Petrobras entrava na Justiça, e a Justiça homologava. A grande Justiça do Trabalho. Era bonito pra chuchu, os caras homologavam lá e a categoria tinha que engolir isso. Foram vários anos assim.

SINDICATO UNIFICADO SÃO PAULO – REGIONAL CAMPINAS

No início não havia muito engajamento dos petroleiros, tanto é que na primeira assembléia foram três pessoas: eu, Jacó e o tesoureiro. Era a primeira assembléia que eu fiz na minha vida no petróleo, três pessoas, eu chorava, eu: “Não pode ser.” Nós éramos 59 filiados nessa época, mas nós terminamos com mil e tantos filiados na refinaria, 1.200, nós tínhamos mil filiados. O nome do sindicato era Sindicato dos Trabalhadores na Indústria do Petróleo de Campinas e Paulínia. E aí o convencimento era muito grande, era no dia-a-dia, era o diretor do sindicato na bancada de trabalho no turno, na porta, e a gente ali, e boletins do sindicato. Na época de negociação com a Petrobras nós saímos antes da Petrobras. A Petrobras ia mandar o release deles para o outro dia para fazer, e o sindicato saía antes, ia lá na área e entregava: “Foi discutido isso, foram aprovados tais itens e não sei o quê.” Nós saíamos antes, eles não acreditavam. Por quê? O nosso presidente telefonava e passava por telefone, e naquela mesma noite ia para o sindicato, rodava no mimeógrafo e na mesma noite jogava na refinaria. Éramos nós que fazíamos tudo, os diretores. Todos os diretores, e já tinha turma que pegava isso de manhã cedo, nos ônibus, já pegava um monte de boletim, tudo certinho. Na refinaria, 7 horas da manhã já estava todo mundo informado, aí que a Petrobras ia informar, aí que eles comparavam: “Ôpa, sabe mais do que nós.” Foi quando começou aquela briga, discussão, e em 1982 a gente começa fazer greve de fome, usar tarja negra. Você vê que movimento diferente, todo mundo...

CAMPANHA SALARIAL

O primeiro momento não foi nem greve de fome, foi usar tarja negra durante o trabalho. Era fita preta em sinal que você não estava contente com que ela tinha feito, o que tinha oferecido, o que estava oferecendo. A gente se baseava na experiência do Japão, que é diferente da gente. Lá o japonês punha a tarjinha preta; o pessoal: “Uuu, chefia, vamos conversar.” A Petrobras nem ligou - e não ligou mesmo. Não tinha violência, mas tinha uma marcação cerrada. Individual, de chefetes, tinha sim, sempre teve e ainda tem. Você pega o boletim do petroleiro hoje, você vai ver inúmeras denúncias de chefetes.

EVENTOS HISTÓRICOS

Em 64 eles arrebentaram com o Sindicato do Petróleo, com a federação, com tudo. Colocaram interventores, e isso foi feito normalmente dentro da refinaria, porque era interessante para a Petrobras ter o sindicato; porque, como eles estavam acostumados a ter aquele negócio de mando, então o sindicato para o nosso lado está tranqüilo, ninguém, mas acontece que em Campinas o negócio foi mudando, o pessoal foi evoluindo mais para contestação. Antes os sindicatos eram manipulados, a diretoria era manipulada, muitas eram. Nós tivemos inúmeros casos disso, mas tivemos grandes companheiros também que saíram para a luta, mas eram fracos. Mas acontece que realmente os encontros nacionais passam a ter uma força muito grande, os sindicatos começam a ter uma força grande e começam a ter respeito, por quê? A gente começa a se organizar realmente, então a primeira tarja negra que eu vi em Paulínia já eclodiu em outro lugar, noutra refinaria, em Manaus, e assim foi feito. Em vários outros sindicatos também foram: “Pô, os caras estão lutando lá, vamos lutar junto.” Aí greve de fome.

GREVE DE FOME

Greve de fome era o seguinte, a Petrobras sempre ofereceu comida para todos os operários, uma comida de primeira qualidade. Tinha um esquema mensal, um menu espetacular, muito bom mesmo. Nível de primeiro mundo, comida boa, muito boa, e o sindicato resolveu o seguinte: “Olha...” - junto com a categoria, fizemos uma assembléia - “...amanhã e depois de amanhã ninguém vai comer na Petrobras, vai passar todo mundo fome.” Era a ordem dada na assembléia, e acatada. Isso já era em 82, e o PT já surgindo. 82 já começa a surgir o PT, e aí a gente faz esse movimento bonito que tem total adesão, menos a chefia, lógico. Eu estou falando de agosto de 82, 1982, agosto, setembro, que é a data-base, setembro. A gente começa já a negociar em agosto, não é negociado nada, e setembro você começa, e o interessante é que você vai se fortalecendo, isso em 82, você começou com uma tarja negra, começou com um dia de greve de fome, depois dois dias. Dava comida para todo mundo e todo mundo chegou na porta do restaurante e sentou em volta, e vendo só a chefia passar. Era horrível para os chefes também, era horrível, era uma coisa muito triste, porque era gostoso fazer sindicalismo naquela época, porque era um sindicato de combate, de embate mesmo. Você tinha o quê? Você tinha um Estado que não era democrático, então para romper um Estado desse tipo você não pode negociar, você tem que sair com luta, você tem que mostrar suas forças; e era assim que se fazia nessa época.

Em 83 o grande boom na Petrobras, duas refinarias param.

SINDICATO UNIFICADO SÃO PAULO – REGIONAL CAMPINAS

Exatamente, em 82 o PT já existia. O PT já era o grande marco, a grande luz dos operários, e os metalúrgicos do ABC eram os papas, e nós do petróleo, logo atrás dos bancários - não podemos esquecer os bancários nunca. Os bancários - quando na época anterior, lá atrás, os borracheiros foram grandes, os taxistas eram, nessa época eram os bancários também - que lutam, começam a fazer greve em bancos. Você se lembra muito bem disso, e aí a refinaria, nós começamos com uma assembléia com três pessoas em 1973. Três pessoas nessa assembléia. Terminamos em 83 com uma assembléia monumental, com toda a categoria reunida, onde se decidiu a greve, mas por que chegou a isso? Como é que se decidiu isso? Se chegou através desse trabalho. Todo o dia, todas as noites o sindicato presente na área. O sindicato com boletim, o sindicato discutindo, o sindicato reivindicando em Brasília, o sindicato discutindo com o senador, o sindicato fazendo parte da mesa do Senado. As férias de 30 dias – o que é dos petroleiros, os 30 dias mais aqueles 10 dias lá a que nós temos direito, que queriam tirar da gente, tem a leizinha lá dos 30 dias. Essa lei o sindicato do petróleo é que foi lá e combateu, junto com o Jarbas Passarinho; ele era presidente do Senado. Então vê bem o campo em que se atuava no trabalho e lá na política, e nós ficamos 15 dias naquele Senado e batalhando até que a lei saiu - e não saiu como nós queríamos não, um cara lá, um senador fez e viu o que nós queríamos.

Eu era um militante mais de prática, o Jacó era articulação, eu era mais de chegar e falar: “Vamos juntos...” E falar: “Ó, vai ter pau, vamos juntos. Vai ter briga, vamos juntos. Vai ter discussão, vamos juntos.” E não fugia, nunca fugimos do povo que estava ali, então o Jacó era o articulador. O Jacó era o grande homem que tinha condições de penetrar em todos os sindicatos do Brasil, ele tinha passagem. Não que ele tinha passagem para ser, não, porque ele era respeitado pelos sindicalistas, igualzinho ao Lula, só que o Lula tinha carisma, o Jacó não tinha o carisma do Lula. Então o Jacó tinha o respeito dos sindicalistas do Brasil, ele era grande articulador realmente, e nessa época, 83, então como é que se criou? Chegou assim, chegou devagarzinho a tarja, um dia de greve de fome, dois dias de greve de fome, vamos atrasar a entrada na refinaria. Atrasar a entrada durante a ditadura você não pode pensar nisso, não tem como. “Em vez de entrar às 7, vamos entrar às 9.” E todo mundo entrou às 9 - tirando sempre a chefia, lógico; 100% nunca vai ser 100%. “Não vai render o turno. Um turno vai ficar lá dentro, e o outro turno não vai entrar.” E não entrava, então aquele turno ficava 8 horas, mais 8, 16, mais 8, 24. Aí nós trocávamos, e ia-se fortalecendo a vontade.

GREVE

Em 83 deflagra-se a greve em razão dos pacotes estatais, Delfim Neto e a sua grande turma, e os pacotes estatais onde a Petrobras seria já meio arrebentada, e a gente também queria participação nos lucros, a discussão de muita... Já tinha a participação, mas nós queríamos defender a Petrobras, tanto que a greve não foi para derrubar a Petrobras - pelo contrário, era para defender a Petrobras. Não deixar a Petrobras cair na mão dos outros. Naquele livrinho está muito bem especificado isso, o pacote das estatais que foi Delfim Neto, não sei se foi 3063, 3062 uma coisa assim, eu não me lembro bem os números. Está bem aí nos primórdios da greve. Esse boletim era o informativo do sindicato. Ele era de uma página só, e aí, durante a greve, depois da greve, nós fomos cassados. O sindicato é tomado pela PF, pela Polícia Federal. Fecha o sindicato, a diretoria se reúne fora, funda um centro, e esse centro passa a divulgar. O nome do centro é Cefes, ele é Centro de Informações e Estudos Sindicais – Cefes. Em 1983, greve geral não existia, mas a nossa greve já era uma previsão de fazer uma greve geral, nós queríamos a greve geral no Brasil já - isso em 1983, período de ditadura, não se pode esquecer disso. E o que mais tinha nessa época? A CUT estava começando. Aqui ainda não existia a CUT, estava formando a CUT, que era formada com os petroleiros e metalúrgicos, e aí em 6 de julho começa, então a nossa voz começa a ser ouvida.

SINDICATO UNIFICADO SÃO PAULO – REGIONAL CAMPINAS

CAMPANHA DE COMUNICAÇÃO

Em relação a essa publicação, minha responsabilidade era grande. Tem muitas coisas minhas. Por exemplo, eu tenho aqui atrás montagem e arte-final... Eu mimeografava e fazia arte-final, mas eu sou um operário, era um operário, e como é que eu ia fazer isso aqui? E a gente fazia. Essa letra bonita é minha, como essa aqui também: “Companheiros, estamos aqui perdendo muito tempo a coisas que não nos levaram a nada. Eu apenas queria colocar para vocês que dessa vez a Bahia está saindo na frente. Ontem em sua assembléia decretou o estado de greve - a Bahia - e nós? Que sempre soubemos dar resposta à altura. O que vamos fazer?” Aí a turma: “Greve.” Foi a greve de 83.

GREVE

Essa foi a maior greve dos operários da Petrobras... A emoção de propor a parada foi indescritível. Foi no sindicato dos bancários a primeira reunião em que se deu o estado de greve; a segunda reunião foi numa associação dos comerciários. Olha, foi um corre-corre, foi uma... Hoje eu começo a pensar e me vejo naquele momento, uma jornalista me chamando e dizendo o seguinte: “Caravante, corra lá porque fulano de tal está derrubando tudo o que vocês estão propondo. Está derrubando a greve.” E foi o momento que o Jacó me deu a palavra, e nós demos esse grande grito que “A Bahia saiu na frente e nós não podemos ficar atrás, ou saímos juntos ou vamos na frente.” E saímos na frente. No outro dia a Bahia decretou a greve também, aí nós saímos juntinhos, saímos juntos com a Bahia, e os outros sindicatos não vieram. Eram 13 sindicatos, e não vieram; só os 2, Cubatão chegou até e não foi. Eu no dia 3 ou 4 de julho fui até Betim, em Minas Gerais, numa assembléia dos petroleiros lá, tentando erguê-los. Não conseguimos. Fui eu e o Barelão e não conseguimos. Os outros sindicatos não vieram. Vinham-se lamentar depois com a gente, mas não conseguimos, e eram grandes companheiros. Eles eram companheiros de luta, companheiros bons. E aí nós fomos cassados no dia 6 de julho. Fomos demitidos também. Nós fomos demitidos, mas não sabemos até hoje por que fomos demitidos, porque primeiro não deram baixa em carteira, não indenizaram, nada. Puseram a gente para fora. Ficamos em reclusão de 83 a 85, ficamos lutando por fora. Tinha um fundo de greve, esse Cefes, que era um fundo arrecadador. E eu fui para Europa pelo sindicato, pelo Cefes. Esse panfleto aqui nós levamos para a Europa.

SINDICATO UNIFICADO SÃO PAULO – RGIONAL CAMPINAS INTERVENÇÃO

Foi a cassação mais esdrúxula que o governo militar fez. Primeiro, ele cassou sem que houvesse um motivo, ele cassou antes do motivo, nós fomos cassados antes do motivo. Qual foi o motivo da cassação? A greve. Quando ele cassou não havia greve. A greve foi naquela noite. Ele me cassou antes das 6, e a greve começou às 11 da noite. Ele cassou todo o movimento sindical de Campinas, os petroleiros até as 6 da tarde. Até as 4, quando funciona o Ministério, depois não funciona mais, e às 6 da noite começou a greve, ela nem começou às 11; aliás, começou às 11. Ela deveria começar às 11 da noite, realmente ela começou quando nós não saímos mais da refinaria, mas o governo antecipadamente nos cassou, foi a grande perda. Eles nos minimizaram por isso, perda. Não fomos presos, fomos cassados, perdemos direitos políticos sindicais, daí passou a intervenção do sindicato, perdemos o sindicato.REVE

1983

A greve estava firme. A greve começou no dia 6 às 11 horas da noite. Eu não saí da refinaria, eu já estava na refinaria trabalhando, fiquei lá a noite toda; no outro dia às 7 horas da manhã não fui rendido, não veio a minha substituição, foi para o sindicato, estava já com a Polícia Federal, mas foi para lá. Eu deveria sair às 4 horas da tarde, mas não saí porque também não vieram me render. Eu continuei. Eu fiquei um dia e meio dentro da refinaria trabalhando. A refinaria não parou. Ela ia parar, mas ela não parou até esse momento. Quando é que ela pára? Pára no momento em que alguém provoca uma pane, extra-refinaria, numa estação chamada Gariroba, uma coisa assim. Uma pane elétrica, então a refinaria pára, mas o sindicato deu ordem: “Não deixa parar.” Aí a refinaria se ergue novamente, continua operando, mas não tinha mais condições, porque ninguém tinha forças para trabalhar, mas o operário trabalhava. Aí a Superintendência deu ordem: “É o seguinte, não dá mais para continuar, vamos começar a parar.” Tanto é que a refinaria parou sem a perda de um litro de petróleo. Ela veio parando, foram lavadas todas as linhas de combustíveis, tudo na mais perfeita ordem, uma parada programada – porque, se a refinaria pára de repente há um risco de explosão. Não houve esse risco, não houve quebra de máquinas, não existia isso, porque a Petrobras é um patrimônio nosso. Então ela veio parando assim devagarzinho, com toda a segurança possível, para que não tivesse um acidente - e não houve.

Quando a refinaria foi invadida pela polícia, a nossa ordem era a seguinte: “Nenhum policial mexe nas máquinas. Ninguém mexe nas máquinas, as máquinas são nossas. Nós temos a nossa segurança lá dentro.” E os operários ficaram com as máquinas paradas, e ninguém mexeu; tanto que, quando retoma à atividade, não houve grandes problemas. Ela começa a produzir o vapor e começa a destilar e sai o produto final, assim de repente; ela vem vindo e cresce e chega no seu ápice. A greve durou seis dias só, não houve como se sustentar, nós éramos sozinhos. Ficamos completamente parados, sem produzir um litro de petróleo, nada. Mas todo mundo trabalhando, menos a Bahia, a Bahia também parou... Ela era a maior refinaria do país, ela representava um terço do refino do país, ela realmente era maior. Aí que eu dizia um pouco antes, é isso a grande força que você tem, já pensou se de repente pára a refinaria de petróleo, pára um terço de petróleo do país de derivados? O país não agüenta, não pode agüentar. Hoje em dia você vê a Venezuela, que é um grande problema, não houve petróleo, parou tudo.

IMAGENS DA PETROBRAS

Havia uma militância política voltada para os direitos do trabalhador, mas também os direitos políticos. Sempre houve uma preocupação, a Petrobras sempre houve, sempre foi tida e é tida hoje ainda como um patrimônio do povo brasileiro. A Petrobras não é minha, não é do sindicato, não é do diretor da Petrobras, não; é do povo brasileiro. E a gente tinha uma idéia que a Petrobras foi criada com um sentimento social, com uma finalidade social também. A Petrobras, na lei 2004, ela traz no seu bojo a atividade social. Se você começar a pensar hoje o projeto Tamar, o projeto de esportes, da parte de olimpíadas da Petrobras e na parte também de educação ambiental, a Petrobras hoje, ela sempre teve uma preocupação... Na nossa época era geralmente manter essa questão social, a Petrobras tem que reverter alguma coisa para o nosso povo, não é só para o operário; é para o nosso povo brasileiro, para o Brasil. A Petrobras, na nossa cabeça, a gente dizia o seguinte: “A Petrobras que avaliza o dinheiro do pessoal lá fora.” Então ela tinha realmente um poder muito forte, nós dizíamos isso para convencimento, para o nosso trabalhador. É a grande Petrobras para gente. Eu sou petroleiro aposentado e defendo a Petrobras.

PETROS

A Petros, por exemplo, o que é? Que é uma possibilidade que nós temos que a Petrobras criou, que a gente paga e a Petrobras pagava junto, mas tem uma assistência violenta, espetacular, como tem a Previ, do Banco do Brasil, mas nós temos a Petros. Ela tem alguma coisa a mais, a Petros tem o operário petroleiro, a assistência médica supletiva da Petrobras. Não existe plano no Brasil que cubra o que a Petrobras cobre para os seus operários, para os seus aposentados e para os seus dependentes em assistência médica. O nosso plano é único, não existe nenhum plano no Brasil. Se você quiser a mesma regalia que tem o petroleiro, você vai pagar uma fortuna mês a mês. Na Petrobras não, isso já há muitos anos.

CULTURA PETROBRAS

Então a Petrobras é patrimônio nosso, nunca quisemos derrubar a Petrobras. Queríamos derrubar alguns diretores da Petrobras, alguns generais da Petrobras. Tiveram muitos e queríamos derrubar mesmo, mas a Petrobras, não. Se precisar lutar hoje pela Petrobras para não deixá-la ir para as mãos dos outros, vamos lutar. Eu saio de casa e vou lá de novo, vou fazer o quê? Porque ela realmente para nós é o sangue que corre nas veias, a Petrobras tem que ser, hoje eu digo para os meus filhos - os meus filhos já são formados, um é médico, outro é farmacêutico, é doutor em farmácia, e o outro é cirurgião cardíaco, os dois que eu tenho -, eu digo para eles: “Meus filhos, vocês são isso aí graças à mãe Petrobras. Graças a ela, que me deu condições de vocês estarem fazendo isso aí. Até os 24 anos ela os sustentou como meus dependente, até os 24 anos sustentou.” Então é uma coisa que nós da Petrobras temos - ou tínhamos, não sei hoje -, mas eu vou ao sindicato e vejo que o petroleiro é orgulhoso. Petroleiro é o bicho mais orgulhoso que eu já vi. Eu sou um petroleiro, o que é ser um petroleiro? Vamos fazer um crediário, e naquela época fazer um crediário: “O senhor trabalha aonde?” “Na Petrobras.” Com ênfase e com gosto, dizendo o seguinte: “Eu trabalho na minha empresa.” Ser petroleiro é trabalhar na própria empresa, ser petroleiro é trabalhar solidariamente com todo o povo, ser petroleiro é lutar pelo próprio país. Isto é ser petroleiro no meu entendimento, e a gente nunca se arrependeu de ter como petroleiro esta visão social e política da Petrobras.

TRAJETÓRIA PROFISSIONAL

Eu perdi meus direitos em 83, e aí a Petrobras ingressou com processo contra nós, um processo judicial contra os diretores. O meu processo diz lá: “O Caravante é um homem que tem a língua fácil, capaz de levar multidões.” Está lá. Eu precisava disso? Precisava nada. Mas tem, que o Figueiredo mandava ainda, o Shigeaki não acreditava na gente; o Shigeaki Ueki: “Você vai para os Estados Unidos.” E foi só que ele voltou, ele foi e no outro dia teve que voltar: “Ó, a greve estourou mesmo.” Ele não acreditava, e a greve não veio de graça, nós chegamos lá na Petrobras, no Ministério do Trabalho, fomos até o Congresso, que estava em recesso, nós pedíamos para o Congresso, para o Ulysses convocar o Congresso: “Convoca o Congresso, o negócio não é brincadeira. A nação vai dar a partida, é um marco.” Tudo isso aí pesou contra a gente. Levei um processo nas costas, os outros companheiros levaram outros processos, e saímos fora. Não recebemos nada, fomos embora. Ficamos dois anos - 83, seis meses, 84 inteirinho, e 85 -, dois anos e meio afastados da Petrobras e não podíamos trabalhar porque não tinha baixa em carteira. Não deram baixa. Eram mais realistas que o rei, aqueles diretores da Petrobras eram uma festa.

GREVE 1983

Nós fomos mantidos pelo fundo que o Cefes angariava e o fundo de greve. A categoria era tão espetacular que o sindicato criou um sindicato de greve paralelo e criou uma conta, e essa conta se chamava Fundo de Greve dos Trabalhadores Petroleiros. A conta tinha esse nome, estava lá conta número tal e o titular “Fundo de Greve” registrado em cartório. O único que você pode ver isso aí. E agora? A Petrobras sempre descontou a contribuição mensal em folha, não podia mais porque agora não tinha mais sindicato. Os operários iam no Banco do Brasil e depositavam naquela conta no Fundo de Greve, e o Fundo de Greve manteve os 139 companheiros demitidos. Os companheiros da Bahia também fizeram igual à gente. Também vinha do exterior...

TRAJETÓRIA PROFISSIONAL

Eu fui para Europa, fiquei um mês lá batalhando na Holanda, na França, na Itália, na Espanha. O Jacó também foi, e veio dinheiro realmente para os companheiros, para ajudar uns aos outros, e veio mesmo assim. Em termos de ajuda, não era um grande dinheiro, não podia ter, né? Os petroleiros de lá e de outras empresas centrais ajudaram assim com uma passagem, uma coisa. Não é dizer que mantinham dinheiro conosco, ninguém dava dinheiro, nunca deram dinheiro assim.

Desempregado, eu tive dois momentos. O primeiro momento, meu pai e minha mãe, que meu pai dizia o seguinte: “Olha, enquanto vocês não pegarem em armas vocês não vão ganhar.” O espanhol falando. A minha mãe punha a mão na cabeça: “Vocês são loucos”, e tal. O Jacó vinha aqui para o ABC trabalhando já com o PT, a greve já tinha acabado; a gente já estava na rua: “E vamos com o PT.” Eu era candidato a deputado estadual... Em Campinas, tive 12 mil votos. O Jacó teve 1 milhão de votos para senador, lembra disso aí também? E foi toda a criação, e a gente querendo lutar, a minha mulher e meus filhos, realmente aí eu tenho que dar louvores a minha esposa.

FAMÍLIA

O nome da minha esposa é Marina Garcia Caravante, esta foi o grande suporte da minha vida depois da greve, porque muitos dos meus companheiros tiveram a família dilacerada porque não havia mais como sustentar. Então houve momentos em que os companheiros foram perdendo a família, literalmente perdendo, ou seja, saindo de casa, a esposa saindo fora e ele também. Houve momentos terríveis, e na minha família não, a minha mulher agüentou o tranco, o que ela fazia? De Campinas ela vinha no Brás comprar roupa para vender no condomínio em que nós morávamos. Eram 288 apartamentos, eu morava quase que num cortiço. Fui síndico lá. Fui síndico para ganhar um dinheirinho lá, e ela vendia roupa e me agüentava, e eu sem dinheiro vendi o carro, vendi o telefone, nós não tínhamos mais nada. Montei um bar com auxílio de companheiros, um bar chamado Reconquista, porque outros companheiros tinham montado um bar chamado Resistência na cidade. O meu era pertinho da Unicamp, reunia todos, os grandes debates da esquerda da Unicamp eram lá no meu bar. Isso em 83, 84, 85, até 85. Aí a esposa realmente que segurou isso. Meus filhos foram crescendo, foram vendo. O grande ensinamento que meus filhos têm hoje é este: de ver a luta que teve o pai, e que a mãe também sustentou. É importante isto para mim, um cara descendente de espanhóis, arraigado de uma religião firme, com os laços familiares perfeitos, de família unida, isso aí é um exemplo que vem seguindo e a gente tem. Eu tenho prazer em dizer que a minha família é unida. Eu tenho prazer em dizer, porque estou casado há 35 anos, tenho dois filhos - um já está com a sua família constituída, que é o cirurgião, que está estudando, ainda não terminou, que é cirurgia. Tem cinco anos para fazer, já fez dois, já fez três, é, faltam dois, quer dizer, é médico já há seis anos e continua estudando, e isso aí quem deu foi a senhora Petrobras quando me aposentei, aí voltei.

TRAJETÓRIA PROFISSIONAL

A gente estava num debate no Congresso Nacional no Ministério do Trabalho querendo a anistia e querendo o retorno, reingresso na Petrobras. Isso foi uma negociação feita em Brasília e com a direção da Petrobras já em 1985. Isso sai em 85, já tinha outros diretores, já não tinha nem ditadura em 85. Tancredo Neves, o grande negociador. Tancredo Neves é que fez com que a gente voltasse; ele disse: “Vocês vão voltar.” E voltamos. Houve um reingresso, agora eu era um homem de batalha, de linha de frente, de luta, junto com os companheiros passava fome, tomava cachaça junto, ali com a turma toda fui proibido de voltar para a refinaria, então tinha que caçar um lugar para trabalhar. Onde? No Rio de Janeiro não me aceitaram aqui em Campos. Eu queria vir para Campos; não pude. Para o Ceará eu poderia ter ido, para o Ceará ou então para a Bahia, mas minha mulher disse: “Não vamos para lá, vamos tentar não sei o quê.” Aí no Espal, em São Paulo, tinha o Munhoz, que hoje é prefeito em Mogi Mirim, Mogi Guaçu. Munhoz, ele que me aceitou, o Jacó foi negociar com ele para que eu, Demétrio, o Spis e o Pena voltássemos, porque não tínhamos onde trabalhar, e o cara aceitou a gente. Eu fui trabalhar em escritório de compras. Voltei para suprimentos. Quer dizer, o início da minha carreira foi suprimentos, e final da minha carreira também foi suprimentos.

SINDICATO UNIFICADO SÃO PAULO – REGIONAL SÃO PAULO

Vou te contar uma história rapidinho, na volta era assim, quando nós voltamos em São Paulo, São Paulo era desorganizado. O escritório não tinha sindicato, e nós entramos na empresa de peito erguido. Os companheiros olhavam a gente com o rabo dos olhos, falavam assim: “Esses caras aí, comunistas, os comunistas...” E nós tivemos que falar para eles assim: “Nós não somos comunistas. É tudo questão de rotulagem, não existe este rótulo, apaguem. Nós nunca fomos comunistas, no máximo socialistas ali de experiência de vida ou solidários seríamos.” Nem socialistas éramos, que a gente não tinha toda aquela teoria de socialismo que nós temos hoje e mais alguma coisa. E aí voltamos, e aquele escritório. Entrava naquele escritório, nego não lia jornal, ficava sentadinho ali, eu disse: “Bom, vamos mudar isso aqui.” Fundamos o Sindicato do Petróleo de São Paulo. O Spis foi o primeiro presidente... O Spis, hoje ele é presidente da FUP, não sei se ele é ainda presidente, mas ele foi até o ano passado presidente da FUP – Federação Única dos Petroleiros. Então fomos nós que fundamos. O Spis foi o grande fundador da federação. O Spis é uma pessoa que no Museu vocês deveriam contatar, esse menino está em Brasília, o Spis é um cara espetacular, é um cara que tem toda a história da Petrobras e dessa política, ele é o arquivo ambulante. É um cara sensacional, tenho muito apreço por ele. Foi o primeiro presidente do Sindicato do Petróleo em São Paulo. Depois ele é cassado novamente. O Spis foi cassado duas vezes, aí ele foi mandado embora pelo Fernando Henrique depois, e acho que ele vai ser readmitido agora.

APOSENTADORIA

Me aposento em 92, ainda não anistiado. Eu fui anistiado em 94 pelo Barelli, que era Ministro do Trabalho.

TRABALHO

Depois que eu me aposentei eu não trabalhei mais como empregado. Meu irmão tem uma empresa, o meu irmão também foi petroleiro, trabalhou um ano na Petrobras, ele tem uma empresa de plásticos hoje, e eu trabalho fazendo máquinas seladoras. Máquinas que fecham bocas de saquinhos plásticos, são máquinas de 80 cm, assim. Eu fabrico, eu mesmo fabrico lá, direitinho, e vendemos isso aí; quer dizer, faço isso aí como um hobby e também para ganhar uma coisa, porque eu invisto isso aí num sítio.

CASA

Eu moro em Campinas num apartamento que foi, essa história do apartamento, apartamento da Petrobras, isso era dito como apartamento da Petrobras, por quê? Porque foi o único prédio que nós conhecemos até hoje, criado e feito por operários de uma empresa e sem auxílio da empresa. Dinheiro do salário. Nesse prédio são 12 andares, 48 apartamentos, 200 metros cada apartamento, 5 mil metros de terreno e 36 alqueires de área verde, porque é no Taquaral. Como é que nós criamos isso aqui? Graças à intervenção de um grupo do qual eu participava também, e foi assim: “Um operário não constrói uma casa, mas dez operários constroem as suas dez casas.” E nós construímos de 48, nós éramos em 46 mais ou menos, nós construímos 48 apartamentos. Então mês a mês dando um dinheirinho, e ali foi se construindo. Nós criamos o nosso grupo de trabalho, e foi indo, foi indo.

Temos um belo apartamento e todo mundo, os petroleiros: “A Petrobras que construiu.” Mas nós que construímos. Nós pagávamos, contratamos uns pedreiros, um mestre de obra. Construímos um edifício de 12 andares, 13, tem 15 na verdade, porque tem dois subsolos, tem mais um salão de festas em cima. O nome desse prédio é Ana Carolina, não é Ouro Negro. Houve a proposta, era de Ouro Negro. Chama-se Ana Carolina porque era - um dos engenheiros, um dos colegas nossos, a esposa dele ficou grávida e ele queria duas meninas, eram gêmeas, mas não chegaram a nascer, e elas iam se chamar Ana e Carolina, e a gente fez um movimento, o grupo todo, era um companheiro nosso, petroleiro também, responsável técnico.

IMAGENS DA PETROBRAS

A Petrobras para mim significa, vamos colocar dois campos, um campo de subsistência, a Petrobras foi a pagadora do meu serviço em termos de trabalho. Ela me pagou pelo que eu fiz. E a Petrobras no outro campo, no campo político, a Petrobras foi a grande mentora da gente contestar todo aquele regime que existia, que era o ditatorial, o regime militar. A Petrobras é que nos deu força para isso, então a Petrobras é mentora. Ela é culpada também da gente contestar o Estado. Ela é culpada que ela era nossa, então a Petrobras para mim hoje ela representa primeiro no campo de trabalho o meu sustento, a constituição da minha família em termos de manutenção da minha família, e no campo político a grande mentora dessa vergue, dessa loucura de contestar, de sair e estar no poder hoje através do Partido dos Trabalhadores. Ela que propiciou também isso no campo político.

ENTREVISTA

Espera aí, quando eu li alguma coisa desse projeto, porque me telefonaram, o companheiro Demétrio falou: “Caravante, você não quer participar do museu, não sei o quê?” Eu falei: “Demétrio, eu já sou um museu. Você quer que eu vá para outro museu?”, “Vem cá, vamos conversar, vão fazer um livro, não sei o quê.” Eu falei: “Vamos lá, vai.” Então eu passei a pensar no que fazer e vinha tentando achar uma brecha para poder tentar entrar numa coisa dessas, mas eu não tinha quem, só tinha um jornalista que foi fazer um livro. Fui atrás, participamos de algumas reuniões, aí de repente apareceu um projeto que foi em Campinas, que foi lá, mas antes disso aí eu procurei e tive acesso a um negócio desse tamanho assim, pouquíssimo sobre o projeto, lá em Campinas, através do sindicato. Alguém do sindicato me deu alguma coisa, eu falei: “Meu Deus do céu, uma coisa, uma integração total, a gente podia ver isso aí direitinho.” Comecei a imaginar, aí novamente o Demétrio ligou: “Olha, você não quer participar do projeto?” Eu falei: “Estou dentro. Estou ali em qualquer momento, em qualquer hora.” Aí você vai me perguntar uma outra história, vai falar: “Pô, com operário?” Eu pensava: “Putzgrilo, a questão minha era questão de trabalho, questão de luta, questão de defesa e questão de contestar um regime, agora vem esse projeto para dizer o seguinte: aquela empresa que você achou que era um monumento - e realmente ela é um monumento -, aquele teu trabalho de luta em termos de operário se solidificasse aí forte e coisa e tal, aquele nosso trabalho de formar um partido em termos aí políticos, botar um operário no poder.”

A gente, quando estava no sindicato, entrava no Congresso: “Um dia nós vamos estar sentados aí, vamos mandar nesta desgraça.” Mas mandar como deve ser mandado, com respaldo, e aí me aparece o projeto e me diz o seguinte: “Conta a tua história junto com o monumento.” Porque a história da Petrobras não é de 71 para cá, ela é de antes de 54, 50. Ela vem com Monteiro Lobato, a história vem com a República das Bananas dos americanos. Você fez história, você sabe disso. A história da Petrobras ela é muito grande, é muito bonita, ela é muito emocionante, é muito gratificante em muitos pontos, é madrasta também em alguns momentos, mas não é a Petrobras. Foram aqueles prepostos da ditadura que estavam lá, não era a Petrobras. A Petrobras tinha dentro de seus quadros caras maravilhosos. Mas eu quis dar esse depoimento porque eu imagino o seguinte, alguém teria que dizer alguma coisa sob a visão do operário, porque num país como o nosso você não encontra isto. Eu nunca vi um operário falar bem da sua empresa. Nunca vi como um depoimento do museu colocar tudo isso aqui dentro dos quadros bonitinhos. Você vê operário lutando contra o patrão, não é essa a verdade. A luta não é capital versus trabalho, a luta é capital e trabalho no meu entendimento, não é versus, é e, então vamos discutir a questão num regime militar? Vamos. Então vamos enfrentar, num regime democrático qual a diferença? Discutir, mesa, negociar, ceder, avançar, parar, retroceder um pouquinho, voltar um pouco mais a frente, isso aí com os louros da vitória, é isto que eu acho.

O Museu, esta proposta que vocês têm, embora eu não tenha ainda, vou pedir isto a vocês e talvez eu vou pegar pela Internet quando tiver pronta, todo o histórico, como é que foi criado. Eu entendo isto, é resgatar a memória de uma empresa através de uma visão não tecnocrata, mas a visão de um operário. Se você pegar a visão tecnocrata da Petrobras você vai ver que é uma maravilha, mil maravilhas - e é mesmo. Se você pegar a questão histórica da Petrobras, aí você vai pegar o povo 50, 48, 46, vai pegar um Eusébio Rocha lutando no Congresso Nacional, vai pegar um próprio Getúlio Vargas criando a Petrobras, e você vai pegar depois essa leva de gente que vem defendendo e vai pegar os entreguistas também. Essa é a nossa visão histórica, agora a nossa visão de trabalho, a visão de construção é aquela que eu dizia para você, na ditadura quem fazia greve era o operário, e quem contestava realmente na rua e enfrentava eram os estudantes. Não eram aqueles que estavam lá na sombra não. Éramos nós aqui. Não era tão-somente eles, também têm seus méritos, mas quem deu a cara a tapa foram nós, foram os estudantes, e todos tiveram o seu valor. Agora, quem tem mais valor, quem? Aqueles que sofreram aqui, aqueles também tiveram os seus valores, eu acho que não foram muitos, mas vamos deixar para lá.

Agora, antes de terminar eu gostaria que você me mandasse o projeto completo, que eu não tenho, mesmo porque ele é interessante. Eu só queria agradecer a vocês também e me desculpar, viu Roberto, você que é o menino que cuida aí da imagem, e pedir a vocês que continuem nesse trabalho e não é só da Petrobras não, têm outras empresas grandes aí espetaculares. Se a gente pudesse fazer da Embraer, é uma empresa linda, e outras empresas, a gente conseguir resgatar mesmo a memória. E dizer que esse povo não tem memória? Esse povo tem uma memória espetacular, tem sim.

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